terça-feira, 27 de outubro de 2009

Luta na Europa - 1968


Os anos 60 são marcados por um regresso das forças de esquerda, excluídas do poder durante a década de 50. Tinha-se anunciado o fim da ideologia na década anterior, mas em 60 surgiram novas gerações de jovens intelectuais que redescobriram Marx, Lenine, Trotski , Mao e outros revolucionários.
Por toda a Europa a esquerda volta a subir os seus resultados eleitorais, isto nos países em que existiam eleições livres, o que leva a crer que foi como que uma radicalização do clima político perante os sucessos do capitalismo – crescimento económico e mais riqueza.
Assim, a década de 60 representou uma mudança nas políticas económicas e sociais, nem sempre elaborada por partidos de esquerda, em toda a Europa Ocidental: estabilização do estado-providência, pleno emprego, transferência da despesa pública da defesa para a protecção social. Estas mudanças ao serem feitas por coligações, tanto de centro-direita como de centro-esquerda, sugerem que as mudanças de política não dependem só da ideologia política dos partidos no poder, mas de circunstâncias sociais e económicas mais vastas, como a riqueza e a prosperidade de um país.
Para além desta viragem à esquerda nas políticas, os anos 60 caracterizam-se como uma época de agitação estudantil e que tem o seu ponto culminante na Primavera de 1968.

Movimentações em Inglaterra
Em Inglaterra, as manifestações contra a guerra do Vietname, que se desenvolvem na Primavera de 1968 (nomeadamente diante da embaixada americana em Londres, a 17 de Março), depois a campanha anti-racista que responde nos meios de extrema-esquerda ao discurso de exclusão do deputado Enoch Powell e pelos primeiros bandos de skinheads, não constituem senão a parte visível de um movimento profundo que procura pôr em causa os valores estabelecidos e o conformismo herdado da era vitoriana por toda um fracção da juventude britânica.
Na Grã-Bretanha estas movimentações sofreram pouca influência do Marxismo, uma vez que tinha pouca expressão, e nunca desembocaram numa colaboração com os sindicatos.

Uma Alemanha politizada
Na RFA, o movimento contestatário desenvolve-se, pelo contrário, com um carácter fortemente politizado. O antiamericanismo e a Guerra do Vietname tiveram a sua quota-parte, mas o elemento determinante foi a rejeição do parlamentarismo suscitada pela constituição, no fim de 1966, da “grande coligação” entre democratas-cristãos e sociais-democratas. Desde esta data começou a desenvolver-se na Alemanha toda uma nebulosa de movimentos e de grupúsculos que formam a oposição extra-parlamentar (APO) e cujos dirigentes recebem o apoio directo ou indirecto de intelectuais como o romancista Gunter Grass ou o filósofo Karl Jaspers, autor da obra Para onde vai a República Federal?, onde afirma que as burocracias partisans, constituindo-se em oligarquia, vão impor à RFA uma nova ditadura.
No decurso do ano de 1967, o movimento ganha amplitude no mundo estudantil, apoiando-se numa organização esquerdista dissidente a SPD, a Federação de Estudante Socialistas Alemães (SDS). Rejeitando todos os conformismos ideológicos, eles estão à procura de um socialismo humano e naturalmente libertário.

Maio Rompante em Itália
Em Itália a união parcial entre as “massas” e a união estudantil conferiu ao movimento uma espessura e uma duração que não teve em qualquer outro lugar - o Maio rompante que dura pelo menos até ao Outono de 1969, e favorece a radicalização do mundo operário num sentido libertário.
Em 1966 têm lugar em Trento as primeiras escaramuças da contestação esquerdista. No decorrer do ano seguinte, o movimento ganha outra amplitude e radicaliza-se, alcançando a Universidade de Pisa, depois a Universidade Católica de Milão e os estabelecimentos universitários turinenses, e em breve a maior parte dos da Península. Ainda aqui, as revindicações corporativistas e a crítica radical da sociedade capitalista conjugam-se com a denúncia da guerra do Vietname, enquanto florescem os grupos activistas e os manifestos de inspiração trotskista, maoísta ou libertária. E é, por fim do ano de 1968 que o apogeu da vaga contestatária está marcado com as suas assembleias-gerais tumultuosas, as suas manifestações violentas, os seus desfiles e os seus duros confrontos com a polícia.
O traço específico do movimento contestatário italiano é que a agitação estudantil não opera em circuito fechado, é paralelo ao desenvolvimento de um poderoso movimento de reivindicação operária, em osmose parcial com este.

A França da contestação estudantil e proletária
É em França que o movimento possui de longe maiores repercussões nos acontecimentos políticos, Daniel Cohn-Bendit, um dos primeiros ousados de Nanterre, vem directamente da Universidade de Frankfurt: o que não quer dizer, evidentemente, que se trata de qualquer forma fomentada além-Reno para desestabilizar a República gaulista. Simplesmente, a anterioridade do movimento alemão desempenha um papel importante num contexto que é feito das mesmas aspirações (uma maior liberdade dos costumes, mais justiça social), das mesmas revindicações universitárias (anfiteatros abarrotados, professores em insuficiente, comportamento autoritário dos professores, questões relativas a acessos e avaliações) e um questionamento idêntico da ordem social e da ordem política nacional e internacional.
Tendo partido da recém-criada Universidade de Nanterre, onde se iniciou a 22 de Março de 1968, propaga-se à Sorbonne no início de Maio, depois à maior parte das Universidades do país. Como na Alemanha, os “comités do Vietname” serviram de suporte a uma contestação da sociedade capitalista, diferente da que é feita pelos partidários da ortodoxia comunista, a qual é de igual modo violentamente atacada.
Na noite de 10 para 11 de Maio, a noite das barricadas, no decurso da qual se desenrolam no Quartier Latin verdadeiros combates na rua entre estudantes contestatários e forças da ordem. Três dias mais tarde estala a maior greve geral de toda a história francesa. Ela começa na fábrica Sud-aviation perto de Nantes, propaga-se a seguir às fábricas da Renault, e depois estende-se gradualmente à maior parte das manchas industriais e de serviços, muitas vezes com a ocupação dos locais de trabalho. No apogeu do movimento, estão envolvidos de cerca de dez milhões de trabalhadores. Os grevistas formulam múltiplas revindicações. A 27 de Maio, patronato e centrais sindicais concluem, sob a arbitragem do primeiro-ministro Georges Pompidou, os Acordos de Grenelle. Estes prevêem um forte aumento dos salários, a diminuição do tempo de trabalho e uma dos direitos sindicais na empresa. Mas eles são rejeitados pelos grevistas.
De modo que, de 27 de Maio a 10 de Junho, a crise torna-se política. A impotência do governo para resolver a crise social, o silêncio do general De Gaulle após a sua proposta de referendo, o pânico dos meios dirigentes, parecia concorrer para criar um vazio do poder. A 28 de Maio, estudantes e sindicalistas reclamam no estádio Charléty, profundas reformas das estruturas, enquanto François Miterrand se propõe a constituir um governo provisório. Mas o “desaparecimento” misterioso do general De Gaulle nos dias 29 a 30 de Maio, marca o início da contra-ofensiva do poder. A assembleia é dissolvida e é feita uma grande manifestação de apoio ao governo nos Campos Elísios. O trabalho é retomado a pouco e pouco e há um triunfo eleitoral da direita nas eleições que decorreram entre 23 e 30 de Junho.

A primavera de Praga
Em praga, ao contrário de qualquer dos movimentos anteriormente relatados, eram apoiados os novos comunistas reformistas, conduzidos por Alexander Dubcek, que tinha arrancado a liderança do Partido Comunista Checo das mãos do grupo pro-soviético de Antonin Novotny. O seu novo programa de Acção, de 5 de Abril de 1968, criticava o anterior governo e preconizava importantes reformas: mais espaço para as relações de mercado, mais instituições políticas representativas e mais tolerância face à dissidência. Prudentemente o Partido reafirmou a sua lealdade è URSS e o seu compromisso com o pacto de Varsóvia. Apesar dessas precauções, tomadas para tentar evitar a repetição do que acontecera na Hungria em 1956, as tropas soviéticas entraram na Checoslováquia a 20 de Agosto e restabeleceram uma administração pró-soviética.
Estes acontecimentos destruíram a possibilidade de um socialismo de rosto humano. Parecia que qualquer reforma significativa do comunismo teria de ter origem no interior da própria União Soviética – que foi o que Gorbatchev tentou na década de 80, tarde de mais para salvar o sistema. Algumas das reformas económicas em debate com Dubcek inspiravam-se em parte nos planos soviéticos, esboçados no fim da década de 50 e no início da década seguinte, que tentavam introduzir alguns elementos dos mecanismos de mercado na fixação dos preços, ao mesmo tempo que davam aos gestores uma maior liberdade de decisão. O afastamento de Krutchtchev em 64 e a sua subsituação pela liderança menos inovadora de Leonid Brejnev acabaram com a experiência.

Considerações finais
O epicentro desta agitação situa-se, sem dúvida, na França da era Gaullista em fim de governo, mas o seu campo de extensão foi bastante mais vasto. Esta crise do capitalismo liberal e da sociedade de consumo pouco afectou a vida política, excepto em França, mas teve fortes repercussões na transformação dos costumes, das mentalidades e da cultura.
Esta Europa da contestação é apenas um dos terrenos sobre os quais se desenvolve um enorme movimento contra o capitalismo tecnocrático e da sociedade de consumo, encarnados pelo modelo americano, ele próprio sujeito a uma crise de coesão interna devido à guerra do Vietname. O ano de 1968 foi, assim, marcado pela agitação que atinge quase simultaneamente a Europa, Japão e certos estados da América Latina, em particular o México, teatro de graves incidente por altura da abertura dos Jogos Olímpicos.
Esta geração Europeia que gozava de prosperidade e de liberdade constituiu o terreno mais propício a esta vaga contestatária. Ou seja, esses movimentos não foram motivados por uma crise da economia capitalista: ao contrário, era a época dita das “trinta gloriosas” (1945-75), dos anos de crescimento e prosperidade capitalista.
Uma geração cujos inimigos mortais foram o capitalismo, imperialismo, tecnocracia, alienação produzida pela sociedade unidimensional, que denunciam os seus mestres do pensamento – os Marcuse, Adorno e Wilhelm Reich, etc. -, e naturalmente a democracia liberal e o regime parlamentar, votados ao desprezo com a mesma vivacidade que tinham sido pela geração de 30.
No seu memorável livro sobre o Maio de 68, Daniel Singer capturou perfeitamente o significado de “acontecimentos”: “Foi uma rebelião total, colocando em questão, não tal ou tal aspecto da sociedade existente, mas os seus objectivos e meios. Tratava-se de uma revolta mental contra o estado industrial existente, tanto contra a estrutura capitalista como contra o tipo de sociedade de consumo que ele criou. Isso emparelhava-se com uma repugnância tocante a tudo o que vinha do alto, contra o centralismo, a autoridade, a ordem hierárquica.”

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