quarta-feira, 11 de novembro de 2009
A queda do Muro Berlim - 20 anos depois
Histórias do Muro
Carsten Meyer, engenheiro de 53 anos, (artigo da revista “Única” do expresso do dia 31 de Outubro de 2009) que viveu na parte comunista relata que a fronteira continua “presente como um fantasma” e acrescenta que “Oriental e Ocidental continuam a ser classificações que não caíram em desuso. Por exemplo: fulano é um bom trabalhador mas é um Ossi.”, (Alemães do Leste, do “ost” e Wessis, os Alemães ocidentais, do “west”). O engenheiro diz que: “ As pessoas do Leste pensam que são os bons e os do Ocidente pensam que são os inteligentes.” Este engenheiro fugiu ao regime comunista um ano e meio antes da queda do muro, não por ter deixado de acreditar no comunismo, mas porque o comunismo em que acreditava implicava discussão e não a impossibilidade de falar.” Vivia na zona do báltico, era campeão de vela, e não podia atravessar as poucas milhas que o separavam da Suécia, achava uma aberração ter de esperar 15 anos para ter um carro e dez para comprar uma televisão. Após a fuga resume desta forma as diferenças entre um lado e o outro: “Se do lado de lá corrompiam as pessoas por causa da ortodoxia política e ideológica, do lado de cá o factor de corrupção era o dinheiro e a carreira. Eu nunca tinha conhecido, até então, essa pressão da carreira. Tudo era seguro, no trabalho. Quando questionado sobre a nostalgia da RDA diz: “ Só tenho nostalgia de duas coisas: de não haver diferenças sociais e do prazer das praias, onde a regra era o nudismo.”
Thomas Heise (revista “Pública” de 8 de Novembro de 2009) nasceu em Berlim Leste. Durante os anos 80 fez vários filmes que nunca puderam ser vistos no seu país. Filmou por exemplo, a manifestação em Alexandarplatz, antes da queda do Muro a 4 de Novembro, sobre a qual realizou um documentário, Material, que foi apresentado no DocLisboa e numa entrevista afirma: “ a câmara foca o público, nunca os oradores, e vê-se como as pessoas estão atentas, interessadas. Havia uma energia que de baixo para cima.” “ há ali pessoas que falam pela primeira vez na vida em frente de outras”. “as pessoas não se recordavam que tinha sido assim, e que já não se lembravam ter sentido tanta liberdade”. As imagens mostravam, segundo Heise, “ a realidade do possível” e “ se consegue ver a utopia”. Para Heise o que as pessoas pediam era o fim de um regime, o comunismo na RDA, mas não o fim de um país. Nas palavras do próprio está isto mesmo presente: “o que é curioso é que a própria queda do muro que vai acabar com essa vontade das pessoas”. Para o documentarista, o que aconteceu foi que o comunismo foi substituído pelo capitalismo e entre um e outro “ a utopia desapareceu, dissolveu-se em produtos”. Este sinal surge quando no final do telejornal da RDA aparece um anúncio. “De repente, o telejornal acabou uns minutos mais cedo e apareceu publicidade. O primeiro spot era um batom que surgia no ecrã de baixo para cima. O slogan era: o novo vermelho. Isto diz tudo”, conclui, com uma gargalhada. Para Heise não existe nostalgia da RDA, “era um país em que não podia trabalhar e estou contente que ele tenha desaparecido”.
Para Joachin Bernauer, em entrevista no diário económico de 9 de Novembro de 2009, “existem muitos alemães que não sofrem dos traumas do passado. Há outros que sofrem muito. Depende da situação actual em que se vive. São cada vez menos os traumas da separação, que causam um sofrimento, e mais os traumas de uma exclusão social actual.” O director do Goethe Institut de Lisboa, que viveu a queda do Muro na cidade e esteve em festa nas portas de Brandenburgo diz que a queda do Muro “representa um país normalizado em muitos aspectos. A minha mãe nasceu na parte da Alemanha que depois se tornou outro país. Visitei muitas vezes a RDA. Fiquei muito impressionado com o clima de desconfiança, das mentiras da vida pública, da censura. A reunificação significou a libertação de um regime totalitário.”
Repensar o sistema
Depois destas três leituras podem surgir dúvidas e podem-se colocar muitas perguntas sobre as implicações da queda do Muro de Berlim.
Para mim não há a menor dúvida foi o fim de um regime totalitário e repressor, uma forte ditadura, que reprimia as pessoas e provocou muitas mortes. O regime tinha de acabar e acabou.
Agora o problema que surge depois é o tipo de modelo que vem com a queda do Muro e as suas implicações na população da RDA.
A população da Alemanha Oriental estava habituada a ter tudo garantido. Como afirma Regine Marquardt (revista “Pública” do dia 8 de Novembro de 2009), que viveu sempre no regime comunista, “Na RDA, a nossa vida estava toda programada, do berço à campa. Depois da queda do Muro, uma pessoa tentar encontrar-se no meio deste processo foi muito duro e alguns não conseguiram”, “mas”, sublinha, “ nós queríamos que fosse assim”.
Assim, a população da RDA sofreu um choque muito grande e passa de uma sociedade em que tinha garantias sobre o seu futuro para uma em que tem de ser cada um a garantir o seu futuro. Por isso, existe uma grande discussão sobre os “Ossis” e os “Wessis”. Os “Ossis” tiveram de se adaptar a um estilo totalmente novo, enquanto que para um “Wessi” foi só um processo continuidade. Isto está bem presente nas palavras de Torsten Lohn (revista “Pública” do dia 8 de Novembro de 2009), o realizador com 44 anos e habitante de Berlim ocidental, “Eu não tive de mudar quem era quando houve a reunificação”, “ eles tiveram de mudar quase tudo. Tiveram de desistir da solidariedade para enquadrar na nova sociedade, depois de não poderem ser quem foram durante 40 anos.”
A grande vitória com a queda do Muro prende-se com o facto de as pessoas terem ganho a liberdade de expressão e o que muitos referem: a possibilidade de viajar. Mas hoje muitas falam de desemprego, que não existia na RDA, e assim surge uma “Ostalgie”, nostalgia do Leste, onde o emprego era garantido para uma vida. O que acontece é que estas pessoas não estão preparadas para o mundo competitivo do capitalismo. No Diário Económico do dia 9 de Novembro de 2009, pelas palavras de Cristine Meinecke percebe-se isto mesmo: “Penso que a maior dificuldade com que se confrontaram foi com a própria falta de iniciativa. As pessoas da zona Leste não estavam habituadas a ter iniciativa”, diziam-lhes “faz isto, faz aquilo” “e não faziam mais do que isso”, também porque não lhes era permitido. Tinham de se sujeitar ao controlo do sistema. Ou seja, sofriam da falta de liberdade o que as condicionou a não terem iniciativa e serem comandadas pelo poder. A “Ostagie” surge precisamente disto, da falta de emprego e da incapacidade de fazerem alguma coisa que contrarie esta realidade, uma vez que nunca o fizeram. Isto, a meu ver, só quer dizer que o novo sistema também não está correcto, as pessoas têm de ter garantias, o que num sistema capitalista não existe. É o regime da liberdade de expressão e de poder viajar, mas um sistema que prende as pessoas quando não têm emprego e, consequentemente, não têm dinheiro e não podem viajar à mesma.
Claro que não sou apologista de se voltar a RDA, apenas um sistema que dê garantias sociais, de emprego, de saúde e de educação. Este capitalismo que ganhou com a queda do Muro também não está correcto e está provado, com esta crise mundial, que se iniciou muito por causa da recessão da economia Alemã. Esta Alemanha que tem uma taxa de desemprego elevadíssima, que atinge os 8,2%, tem de ser como todos os países capitalistas alvo de reestruturações. a queda do Muro conduziu directamente ao regime que existia na RFA, não foram aproveitados alguns exemplos da RDA, foi um processo de imposição por reacção ao que se considerava completamente errado. o regime era injusto, mas o sistema podia trazer pontos positivos ao capitalismo. A criação de uma sociedade mais justa. Não se pode apagar pura e simplesmente a História tem de se beber o que ela teve de bom e corrigir o que estava errado. Mas claro, isto é apenas a opinião de um "idealista", está entre-aspas porque na verdade me considero realista. O sistema a que me refiro é possível, mas mais uma vez os senhores do dinheiro ganharam neste processo. A França, Reino Unido e E.U.A. que faziam parte de Berlim Ocidental impuseram o seu sistema e os Alemães implementara-no e tornaram-se numa grande potência capitalista. A meu ver e está provado por dados estatísticos, mais um país com grandes desigualdades, desemprego, precariedade, enfim todos os problemas a que estamos tão habituados com este sistema neo-liberal, do capitalismo selvagem e sem escrúpulos.
Felicito o fim do Muro e o fim de mais uma ditadura feroz.
A ditadura comunista acabou, só que ganhou um sistema que também não é justo.
Pensemos nisto…
Etiquetas:
Muro de Berlim,
repensar o sistema
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