Passaram três anos desde a aprovação e aplicação da lei da interrupção voluntária da gravidez. Desta vez, foi esse o pretexto para a direita ultra-conservadora tentar reanimar a campanha pela revogação da lei do aborto. E mais uma vez sem argumentos. Apenas e sempre a mesma lenga-lenga do costume: a exploração demagógica de preconceitos e crendices, a arrogância de quem pretende impor aos outros as suas opções de vida, o cruel atrevimento de querer julgar e punir as mulheres que recorrem ao aborto, a instrumentalização grosseira da criança.
No entanto, a realidade revela que a aplicação da lei foi um sucesso e um enorme progresso. De acordo com os números oficiais, em 2008 e 2009, foram registadas cerca de 39 mil interrupções de gravidez. Foram 39 mil mulheres que a lei poupou à humilhação dos tribunais, ao sofrimento físico e psicológico - e até à morte – associados ao aborto clandestino. Este é o principal balanço da lei, o grande ganho social que trouxe.
Sucesso também na capacidade revelada pelo SNS em dar resposta às novas exigências de organização e funcionamento que indiscutivelmente a lei introduziu nos serviços de saúde, apesar da objecção de consciência de alguns profissionais que a direita procurou usar como tropa de choque para boicotar a lei. Também aí a direita perdeu.
Persistem problemas? Claro que sim. A gravidez na adolescência (em 2009, cerca de 12% das IVGs foram em jovens entre os 15 e os 19 anos), os abortos repetidos (340 em 19 mil, no ano de 2009), as faltas às consultas de planeamento familiar (1 em cada 3, segundo alguns estudos), continuam a ser motivo de preocupação.
Mas a lei da IVG não tinha por objectivo resolver qualquer um desses problemas e, só por si, seria uma ilusão e uma irresponsabilidade julgar que ela o poderia fazer. O saldo da aplicação da lei não pode ser avaliado por aqueles parâmetros. A lei visou o aborto clandestino, a protecção da saúde e vida da mulher, a defesa da sua dignidade. É em função destes objectivos que dizemos que a aplicação da lei constitui um extraordinário sucesso.
O aborto tem raízes sociais. A exclusão social, a pobreza, o desemprego, as dificuldades económicas que atormentam muitas famílias, favorecem o recurso ao aborto. Não se pode exigir que a lei da IVG mude ou acabe com a crise social que se vive no país. Mas, neste contexto social, onde inevitavelmente o recurso ao aborto tende a aumentar, a lei da IVG pode impedir que muitas situações pessoais e familiares se agravem e compliquem.
Não é nem a revogação nem a alteração da lei da IVG que estão na ordem do dia. Toda a exigência deve ser colocada nos apoios sociais às famílias, no reforço do planeamento familiar e na inclusão da educação sexual nas escolas portuguesas.
Curiosamente, é a mesma direita que brama contra a lei do aborto que tem combatido o planeamento familiar, a educação sexual e o estado social.
Texto de Joao Semedo in esquerda.net
terça-feira, 20 de julho de 2010
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