Michael Moore fala a Amy Goodman, da Democracy Now!, sobre o Haiti e a razão pela qual considera os Democratas "repugnantes": "Não têm estofo. Não têm coragem de defender as suas próprias propostas".
O realizador Michael Moore disponibilizou-se para uma longa entrevista sobre o Haiti, a decisão do Supremo Tribunal a respeito do financiamento de campanhas eleitorais por parte de empresas, o seu primeiro ano de mandato, os Democratas, etc. "Os Democratas perderam a garra. Não têm coragem para defender as suas próprias propostas. São repugnantes. "Envergonham-me", diz-nos, "Não quero ter nada a ver com eles. E se não recuperarem desta cobardia, terão uma grande surpresa em Novembro."
Amy Goodman: Hoje entrevistamos Michael Moore, um dos realizadores de cinema independente mais famosos do mundo. Nestes últimos vinte anos, Moore tem sido um dos realizadores mais provocadores, bem sucedidos e politicamente activos. Podemos destacar da sua cinematografia, entre outros, títulos como "Roger and me" (Roger e Eu), "Fahrenheit 9/11", "Bowling for Columbine" - que lhe granjeou o prémio da Academia - e "Capitalism: A Love Story" (Capitalismo: Uma História de Amor), o seu filme mais recente.
Michal Moore esteve esta semana em Park City para ver alguns dos filmes que foram seleccionados para concorrer no Festival de Cinema de Sundance e para escolher filmes para o Traverse City Film Festival, de Michigan, a cidade onde reside.
Tive a oportunidade de o entrevistar logo após uma exibição e antes do seu regresso a casa. Comecei com uma pergunta sobre a situação no Haiti.
Michael Moore: O mais espantoso acerca "da resposta norte-americana" - conforme disse - foi a reacção individual, de cada norte-americano. Mobilizaram-se no próprio dia do terramoto, doaram com mensagens de telemóvel para a Cruz Vermelha, ofereceram-se como voluntários, queriam ajudar. As campanhas de recolha de donativos começaram nesse mesmo instante.
Quando se deu o terramoto eu estava em Miami. Testemunhei este esforço. Sobretudo por parte da comunidade haitiana e de outras comunidades do Sul da Flórida. Houve até o caso de um médico de Fort Lauderdale, proprietário de um avião, que não esperou por autorizações oficiais. Chegou ao aeroporto, saltou para o cockpit, foi ao Haiti, trouxe todos os feridos que podia - cerca de quinze pessoas - e levou-os para o hospital de Fort Lauderdale. Eu pensei então, "Meu Deus, porque é que não assistimos a isto todos os dias?"
Mas a resposta do governo, digamos, foi desajeitada, soou mais uma vez a "Somos demasiado poderosos para falhar". Que é o mesmo que dizer, "Somos demasiado poderosos para sermos bem sucedidos". Pelo menos foi assim que deram a entender.
Mas também lhe digo: de imediato, e em poucas horas, Barack Obama tentou organizar uma resposta, o que contrasta, e muito, com o que assistimos durante os mandatos de Bush, como no caso do Katrina e de outras tragédias do género. De tal modo que me recordo de me ter sentido bastante satisfeito com esta reacção.
Mas depois, no segundo e no terceiro dia, quando se percebeu que não estava a chegar ao Haiti qualquer ajuda significativa e que nessa altura era mais importante resolver a situação dos norte-americanos que lá estavam, na Embaixada, no Hotel Montana, etc. etc... Com certeza, é natural ocuparmo-nos primeiro dos nossos compatriotas, mas eu esperava que estivéssemos ali para ajudar toda a gente e que ninguém fosse considerado mais humano do que o seu semelhante.
Amy Goodman: Não sabia de um grupo de enfermeiras que queria ir - ou seria mais do que um grupo?
Michael Moore: Meu Deus... O Sindicato Nacional dos Enfermeiros. Esse é o episódio mais triste de todos. Espero que quem me esteja a ouvir, e a ver, reaja e faça pressão sobre a administração Bush. O Sindicato Nacional dos Enfermeiros...
Amy Goodman: ...A administração Obama?
Michael Moore: Sim, a de Obama. O que é que eu disse? A...
Amy Goodman: Administração Bush.
Michael Moore: Certo, certo. Já estamos a pressioná-los. Já não estão entre nós. Mas isso não era só freudiano, este é o meu estado de espírito. Porque eu não aceito a agradável diferença entre as administrações Bush e Obama, é ilusória. À primeira vista, se compararmos a actualidade com o que aconteceu nos últimos oito anos, tudo nos parece fantástico, mas na essência, na prática... Não lhe consigo dizer o quanto estou desiludido.
E o que sucedeu com o Sindicato Nacional dos Enfermeiros revela o empenho deste corpo de profissionais. Quantos estavam dispostos a partir imediatamente para o Haiti? Quase doze mil enfermeiros, note bem, doze mil enfermeiros deste país estão dispostos a seguir para o Haiti. E um enfermeiro poderia cuidar de muitas pessoas. Imagine então quantas pessoas poderíamos ajudar se pudéssemos enviar doze mil enfermeiros devidamente equipados. E esta oferta já foi feita há muitos, muitos dias, está a perceber?
Amy Goodman: A quem?
Michael Moore: À administração Obama, pela dirigente do sindicato. Ela entrou em contacto com o governo e foi ignorada, de início ninguém lhe respondeu. Mas lá acabaram por encaminhá-la para alguém que não tinha qualquer poder de decisão. Então, depois de tudo isto, ela contactou-me e disse-me "Você saberá, porventura, como poderemos chegar até ao presidente Obama?"Eu respondi, "É patético o facto de vocês serem forçados a ligar-me, quer dizer, vocês são o maior sindicato de enfermeiros. Tanto quanto sei asseguram a vice-presidência da AFL-CIO [Federação Americana do Trabalho - Congresso de Organizações Industriais], e mesmo assim não conseguem que a Casa Branca vos autorize o envio de doze mil enfermeiros para o Haiti? Não sei o que fazer por vocês... Não sei, vou ligar também".
O que é certo é que até hoje pouco mais foi feito. É angustiante. E é só um exemplo do que se passa. Na última semana você fez a cobertura deste estado de coisas quando lá esteve - falharam redondamente.
Amy Goodman: Abordemos agora a questão da saúde, aqui nos Estados Unidos. Enquanto se desenrolavam os acontecimentos no Haiti, houve eleições em Massachusetts para substituir o senador Ted Kennedy e ganhou Scott Brown, o candidato republicano. Esta eleição vai ter grandes repercussões no debate sobre o sistema de saúde. E você tem sido bastante crítico acerca do rumo que o Presidente Obama está a tomar nesta questão. Fale-nos sobre este primeiro ano de mandato presidencial e o que lhe parece que seja urgente fazer.
Michael Moore: Na verdade enviei uma carta para a Casa Branca na própria noite das eleições, na qual disse "Sei que não está surpreendido. O que esperaria após um ano em que recuou em todas as direcções em que prometera avançar? Um verdadeiro sistema de saúde público; a retirada do Afeganistão, contrariada por uma escalada chocante; a reforma do sistema bancário, obrigando os bancos a repor os prejuízos infligidos aos contribuintes, em vez de lhes serem oferecidos mais apoios. O que pensa que iria suceder em Massachusetts? Que o seu eleitorado iria acordar naquela terça-feira a pensar: 'Mal posso esperar para ir votar em alguém que é responsável por tudo o que está a acontecer'"? Acho que muitas pessoas levantaram-se e pensaram: "Já me estou nas tintas para isto. Não vou votar, estou demasiado zangado." Claro que no outro lado da barricada estão sempre prontos. Eles levantam-se às cinco da amanhã a urdir contra a espécie humana. Por isso não fico surpreendido por terem ido votar.
Por outro lado, sou da opinião que as eleições são um óptimo trailer, excelente publicidade para as eleições de Novembro. Caramba, há um ano atrás Barack Obama tinha o eleitorado do seu lado. Podia ter escolhido outro caminho, o país estava a exigi-lo. As expectativas eram tais que pensávamos que iríamos mudar radicalmente em relação ao passado mais recente e construir o país em que todos desejávamos viver. A grande maioria das pessoas votou nele. E então Obama convenceu-se de que para o fazer teria de agir como os seus adversários - e este é o erro histórico, recorrente, do Partido Democrata: estão convencidos de que a única forma de ganhar é serem uma espécie de Republicanos light. E cada vez que tal acontece, é o descalabro.
Amy Goodman: Como é que de sessenta votos se passou para os recentes cinquenta e um? O que eu quero dizer é o seguinte: quando a lei [sobre a indústria farmacêutica] foi votada, à qual se opunham os Democratas, em princípio, os Republicanos não tinham os sessenta votos, mas a lei foi aprovada. O que é que confere um peso eleitoral tão significativo ao estado de Massachusetts?Muito bem, isso significa que o voto de bloqueio democrata não totaliza sessenta votos. Mas porque é que eles necessitam desses votos?
Michael Moore: Bom, não se esqueça que formos governados por um presidente que mal chegava a ser um aluno medíocre. Ora bem, quando os governantes são estúpidos, sessenta votos valem por uma maioria de cem: "É isso, precisamos de sessenta votos", pensaram eles. Conseguiram de alguma forma convencer os norte-americanos de que sessenta são cinquenta.
Agora brincadeiras à parte, este é outro exemplo de como, no fundo, os Democratas são uma cambada de palermas. Não têm estofo. Não têm coragem de defender as suas próprias propostas. São repugnantes. Envergonham-me. Não quero ter nada a ver com eles. E se não recuperarem desta cobardia, terão uma grande surpresa em Novembro.
A entrevista completa está, em inglês e em vídeo, aqui.
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário