domingo, 7 de fevereiro de 2010

Utopia XXI - Fénix (como renascer das cinzas...) Parte I



Esta é uma tentativa precária de fazer o mundo actual renascer das cinzas.

Prazer, autonomia, vida, situações... e também: desemprego, troca e uso, desespero, crise, capital, trabalho, máquinas, dinheiro, "globalização", Estado, máfia, mercadorias, capitalismo de estado, contrabando, megafusões, sobrevivência, narcotráfico, repressão, bolsas de valores, guerras, "sociedade de consumo", petróleo, "sociedade da informação"...

Vida ou Sobrevivência!?

O mundo só existe para o animal como consumo, objecto de desgaste e destruição,a busca da repetição incessante desse mundo faz da sobrevivência o seu campo de realização.

Só o homo sapiens sabe que vai morrer. Então, para ele, não faz nenhum sentido que o mundo seja apenas a incessante repetição da busca por comer e foder. Ele não pode deixar que lhe passe com indiferença a existência que lhe resta, só quem tem consciência da proximidade crescente da morte é capaz de estabelecer a vida como sua esfera de existência.

O homem inventa o arco e a flecha para não ter que passar o resto da vida a correr sem parar atrás da comida. Ele precisa de cantar, dançar, brincar, conversar, inventar, imaginar, pensar, em suma, ele precisa transformar o mundo de maneira que deixe de meramente sobreviver e passe a viver. Ele precisa fazer do mundo um lugar bonito, musical, confortável e aconchegante onde ele não precise mais de lutar por comida, onde ele possa encontrar os seus amigos e mostrar para eles as suas invenções, danças, músicas, pensamentos, brincadeiras e conhecer o que os seus amigos têm de novo, para que, juntos, possam transformar novamente o mundo num lugar onde tudo isso possa se realizar.

Queremos descobrir porque razão o homem se esqueceu da vida, fazendo os meios de vida que inventou transformarem-se em simples meios de sobrevivência. Queremos descobrir por que os meios que ele inventou para se libertar da sobrevivência, desde o arco e flecha até aos actuais robôs, acabou perpetuando-a, aumentando o trabalho até fazer deste a finalidade que ocupa toda existência das pessoas. E por que todas aquelas coisas que não são a busca pela sobrevivência, como cantar, brincar, dançar, imaginar, criar, pensar, transformar o mundo... são consideradas estúpidas ou absurdas e substituídas pela busca sem fim do mero desgaste e destruicção dos objectos, o consumo, estando eles eternamente controlados pelo trabalho para serem eternamente destruídos, consumidos.

Enfim, queremos descobrir então, porque hoje as pessoas não podem desfrutar o mundo transformando-o e realizando-se, mas só podem trabalhá-lo para consumi-lo.

Consumo ou Troca!?

O consumo, é o resultado final daquilo que o trabalho produz, uma petrificação do mundo em contraposição à multilateral transformação do mundo que envolve todos os sentidos e desejos, que é a vida. O consumo pressupõe uma acção abstracta de cada um dos elementos do mundo de modo a isolá-los numa dimensão específica (por exemplo, a fruta é para comer, o papel higiénico, para limpar o cú, a roupa, para vestir, a rua, para chegar ao trabalho ou ao centro de consumo, a escola, para estudar, o museu, para ver obras de arte, o quarto, para dormir e foder...).

O panorama onde os elementos do mundo se encontram perde a sua força de conexão interna. Este panorama não é mais do que uma situação, um ambiente de infinitas dimensões que o homem encontra e transforma, criando novas situações, novos estados de ser e de espírito (realização da vida). O panorama do mundo desintegrou-se num conjunto de elementos banais, num conjunto de fragmentos sem nenhuma relação interna entre si.

A fragmentação dos diversos elementos do mundo em dimensões específicas em função do valor de uso, por sua vez, significa o aparecimento de uma força de conexão externa entre eles, que é o uso abstraído de qualquer dimensão específica. Essa conexão exterior dos elementos fragmentados é a redução deles a uma única dimensão radicalmente abstracta: o valor de troca. Os elementos são trocados entre si, para serem usados. O valor de troca é a abstracção de todos os usos possíveis e é representado pelo dinheiro. Quanto mais alguém tiver dinheiro, mais pode usar. Mas assim só se satisfaz em suas dimensões específicas, fragmentadas, não no seu ser total, não no seu espírito. Diante do panorama fragmentado que destrói as situações, ele não se pode reconhecer a si mesmo no mundo como uma unidade de infinitas e irreversíveis manifestações e dimensões, o que o iguala a qualquer outro animal, que só encara o tempo como consumo/destruição do objecto de necessidade e repetição desse gesto ao infinito.

O consumista, por isto, só pode reconhecer os outros seres humanos como simples meios para alcançar o consumo, como simples portadores de dinheiro, por ser o único meio de relação possível com o mundo e, assim, consigo mesmo, com sua própria sobrevivência. A individualidade é suprimida numa abstração, "o homem", com seus direitos e deveres.

O homem reduz-se ao seu dinheiro, curva-se perante ele e adora-o, e só é reconhecido assim pelos outros, caso contrário, estes matam-no, simplesmente impedindo-o de comer, ou seja, torturando-o até a morte.

Sem as situações, é me impossível encontrar e criar os estados do ser e de espírito onde eu me possa realizar, e então estes só podem aparecer para mim como fuga da realidade, como consumo de drogas, de bebidas, como uso de televisão, de video-jogos, hobbies, como religião, misticismo, em suma, como esquecimento da minha morte e, consequentemente, do tempo que me resta, que se torna um mero passatempo, mera perda de tempo cuja falta de sentido só posso suportar com essas ilusões.

Esse estado em que nos encontramos não é algo dado, não é natural. Ele é o produto concreto da sociedade, foi e só é possível através de um determinado tipo de acção sobre a natureza pelo homem, o trabalho.

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