sexta-feira, 2 de abril de 2010

[Espanha] “Nem deus nem amos!”

[A seguir uma carta do anarquista Julio Reyero, do Sindicato de Transportes da CNT de Madri, sobre o processo movido pelo arcebispo de Toledo, que o acusa de "um crime de incitamento de discriminação" e "em conjunto com um delito de escárnio dos sentimentos religiosos".]

Saúde Companheiros/as!

Chamo-me Julio Reyero e durante alguns anos tenho dado palestras sobre a religião em geral e a Igreja Católica em particular para grupos anarquistas e sindicatos da CNT. Em 27 de junho do ano passado, o Sindicato de Toledo e o grupo anarquista Pétalo contataram comigo para fazer uma conferência intitulada: "Fundamentos, atitudes e comportamentos de uma organização criminosa: a Igreja Católica".

Na véspera da palestra existiu uma certa agitação porque o jornal local "El Dia" pôs a notícia em destaque com opiniões de página inteira sobre o assunto envolvendo opiniões ameaçadoras de partidos políticos e sindicatos do sistema.

Depois de comentar o fato e colocar-me à sua disposição, os companheiros entenderam espontaneamente e em uníssono que calarmo-nos seria o princípio do fim, e continuou-se com o evento programado.

No dia da conversa o jornal voltou a fazer barulho dizendo que era quase um crime o ato programado (em declarações de políticos em funções chamados para a ocasião), enquanto o arcebispo ameaçava com uma ação legal, mas não se pronunciava.

À hora anunciada apareceram dois jornalistas, do mesmo jornal, dizendo com arrogância que vinham para gravar o evento e tirar fotos. Foram informados que se quisessem podiam ficar e ouvir, mas que não tinham permissão para tirar nenhuma foto de mim e, claro, para gravá-lo para posterior envio a criminosos para me agredirem. Recordava-me perfeitamente do engenho explosivo colocado no camarim de Leo Bassi, durante a apresentação da sua peça "A Revelação", da ameaça de bomba na livraria "Margen" de Valladolid, durante a apresentação de um livro contra a Igreja, de Fernando de Orbaneja ou a surra que recebeu, no Círculo de Belas Artes, o autor do livro ‘Cago em Deus’" às mãos do neto de Blas Pinar e outro fascista. Assim, após 5 minutos de exposição abandonaram o auditório, para retornar, no dia seguinte, a falar de nós no seu lixo de jornal reacionário dizendo que "a CNT veta o "El Dia" para gravar e tirar fotos".

O ato correu muito bem, teve bastante assistência, creio que os companheiros ficaram satisfeitos, após uma conversa agradável, despedimo-nos com gosto. Mas, passado pouco mais de um ano, a polícia aparece na sede do Sindicato em Madri, com uma intimação para mim. Nela, "convidam-me" (se recuso a oferta emitem ordem de prisão) para me apresentar em 16 de Novembro nos tribunais de Madri para levar o meu depoimento em relação a uma ação procedente do arcebispado de Toledo, em que me acusa de "um crime de incitamento de discriminação" (subentende-se dos católicos), "em conjunto com um delito de escárnio dos sentimentos religiosos", aparentemente ambos estabelecidos nos termos dos artigos 510,1 e 525 do Código Penal vigente. Por fim, pedem-me 30.000 € (porque você sabe que esta gente não sabe trabalhar, mas pedir...).

Contatei com o SP do Comitê Nacional da CNT, onde me garantiram a assistência judiciária de que dispõem. Além disso, após lerem o documento da ação, me disseram que não vêem nada que impeça que não saiamos airosamente da situação. De momento trata-se só de mim, mas há que estar consciente de que, no mesmo documento, se pede ao juiz de instrução o número de telefone e apartado do correio, dos nossos companheiros de Toledo, para dirigir a acusação também contra eles, como "CNT-FAI".

O problema que enfrentamos, mesmo que saiamos vencedores, é começar a preparar um fundo para o advogado. Como me informaram poderá chegar até cerca de 1.200 euros, que haveria de tentar obter até ao dia da declaração, embora creia que vamos conseguir (eu tenho recebido ofertas de solidariedade e a minha situação pessoal não é ruim).

A partir destes acontecimentos a reflexão leva-me a cuidar das formas (e não do fundo) para evitar tais problemas, embora perceba que todos nós entendemos que de modo algum podemos aceitar o silêncio como conseqüência da ameaça de Estado policial ou judicial. Se alguma coisa nos resta é a palavra, por mais que doa à peste sacerdotal, terrível inimigo da liberdade que buscamos.

Recebam um forte abraço libertário!

Nem deus nem amos!

Julio Reyero

Tradução > Liberdade à Solta
Fonte: indymedia

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