segunda-feira, 5 de abril de 2010

Intervenção de Ricardo Araújo Pereira

(excerto publicado na «Visão», a 24 de Abril de 2008)

Eu não gosto de militares. Não gosto da ética militar, nem da brutalidade, nem daquele fanatismo patriótico que é, com muita frequência, trágico.

E também não gosto do povo. Não gosto da irresponsabilidade da multidão, nem daqueles que parecem ser os dois principais factores de interesse da massa popular: aglomerar-se em torno de acidentes rodoviários e insultar as camionetas que levam os arguidos para o tribunal. Tinha um amigo da UDP (notem que é possível fazer amizade com gente da UDP) que gritava com gosto a palavra de ordem do partido: "UDP, sempre ao lado do povo!" E depois acrescentava, mais baixinho: "Mas nunca no meio dele." O escritor Mário de Carvalho costuma advertir para a necessidade de distinguir o povo do populacho, porque o primeiro é um conceito nobre e até mítico, e o segundo é uma massa infame. O problema é que é difícil encontrar o povo, mas é muito fácil dar de caras com o populacho.

E, no entanto, foram os militares e o povo que fizeram o 25 de Abril. Às vezes dá-se o caso de um casal muito feio ter um filho muito bonito. Parece-me que foi o que aconteceu, embora nem toda a gente esteja convencida da beleza da criança. Para mim, o mais divertido nas comemorações do 25 de Abril têm sido as tentativas para tornar a data "mais consensual". O Dia da Liberdade não reúne consenso, o que me deixa verdadeiramente surpreendido. Percebo que a liberdade não seja consensual, mas do meu ponto de vista ninguém teve razões de queixa: para quem aprecia a liberdade, o 25 de Abril foi agradável; para os que não gostam, foi uma oportunidade para fazerem aquela viagem ao Brasil que tinham andado tanto tempo a adiar. Sempre pensei que a data agradasse a todos.

Na verdade, porém, o 25 de Abril parece agradar a cada vez menos gente. Há autores para quem o Salazarismo não foi um fascismo, e outros para quem o 25 de Abril não foi exactamente uma revolução. O que faz com que, aparentemente, na frase "25 de Abril sempre, fascismo nunca mais", não haja nada que se aproveite. Nem o 25 de Abril foi 25 de Abril, nem o fascismo foi fascismo.

E por isso, amanhã, numa data que, pelos vistos, não chegou a ocorrer, comemora-se a nossa libertação de um opressor que, ao que me dizem agora, nunca existiu. Até parece mais bonito assim, não parece? Parece. Resumindo e concluindo: 25 de Abril sempre, fascismo nunca mais.
Fonte:www.emabrilesperancasmil.blogspot.com/

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