A vigilância intensiva sobre a “radicalização violenta” será extendida de forma a incluir “radicais” suspeitos de todo o espectro político. Os alvos incluem “extrema direita/esquerda, islamistas, nacionalistas, anti-globalização, etc.”
Um plano para colocar “radicais” suspeitos sob vigilância passou sem notícia, no fim de Abril, no Conselho da União Europeia. No dia 26 desse mês, o Conselho dos Assuntos Gerais do Conselho da União Europeia fez passar sem debate algumas Conclusões do Conselho “sobre a utilização dum instrumento estandardizado, multidimensional e semi-estruturado de recolha de dados e informações sobre o processo de radicalização na União Europeia (UE).
Note-se que as “Conclusões do Conselho” não são mais do que decisões políticas. As Conclusões (e, já agora, as Recomendações) editadas pelo Conselho são conhecidas como “soft law” (lei suave, numa tradução à pressa) e não são obrigatórias para os Estados membros. No entanto, sendo políticas acordadas formalmente, são utilizadas (e legitimadas) como base para a cooperação e para as novas práticas nos Estados membros. São, assim, adoptadas sem qualquer tipo de contribuição dos parlamentos nacionais ou europeu.
O tal instrumento “estandardizado, multidimensional e semi-estruturado” será posto em prática alegadamente para evitar que algumas pessoas se virem para o terrorismo através da “radicalização”. Em primeiro lugar, analisando os “vários ambientes2 em que decorre essa “radicalização”. Depois, introduzindo “formas sistemáticas” de partilha de informações sobre indivíduos ou grupos que utilizam discursos de ódio ou incentivam ao terrorismo.
Deve-se partilhar informação sobre líderes radicais que promovem o terrorismo e os seus movimentos devem ser seguidos, de forma a “interromper os processos de radicalização em andamento ou a anunciar alertas em relação a eles” (lembremos que “alertas” são uma figura de estilo que pode levar a acções tais como detenção, interrogatório, colocação sob vigilância, etc.). À Europol pede-se que “crie listas de pessoas envolvidas em actividades de radicalização/recrutamento ou que transmitam mensagens de radicalização e que tome as medidas apropriadas”.
Pode-se considerar que este seja um passo lógico na luta da UE contra o terrorismo. Mas isso é só até se analisar o documento que está na base das Conclusões. Esse documento chama-se “Instrumento para compilar dados e informações sobre os processos de radicalização violenta” (EU doc nr. 7984/10 ADD 1). Para instrumento que pretende atacar o terrorismo, é estranho que se encontre apenas uma referência a esse terrorismo. Também parece pouco normal que a terminologia utilizada varie entre “radicalização violenta” e “radicalização”, como se fossem a mesma coisa.
Para alem disso, os alvos deste novo “instrumento” não são, claramente, os indivíduos ou grupos que tenham cometido ou estejam a preparar actos de terrorismo, nem sequer os que incitem ao terrorismo, porque ambos podem ser atacados de acordo com as leis criminais normais (detenção, acusação, prisão, etc.)
Qual é, então, a abrangência deste novo intrumento?
O Anexo 1 (p6) abre com:
“Descrição da ideologia que apoia directamente a violência
1.Espectro no qual a ideologia se situa”
A abrangência/alvos são descritos na nota de rodapé nr. 1, como sendo:
“Extrema direita/esquerda, islamistas, nacionalistas, anti-globalização, etc.”
Assim, o “instrumento” não é, em primeira instância, orientado para indivíduos ou grupos que pratiquem o terrorismo. Antes, é direccionado para pessoas e grupos com visões radicais, descritos como aqueles que propagam “MR” (mensagens radicais). Esta definição pode incluir, por exemplo, gente que apoia lutas de libertação noutros países.
Quem está na “extrema esquerda”? Será que “extrema esquerda” será um conceito definido pela polícia, pelas forças de segurança e pelas serviço secretos?
“Islamistas”? Este termo poderá cobrir islamistas sem qualquer intenção de levarem a cabo actos violentos, assim como outros que podem tentar encorajar outras pessoas a efectuarem actos de terrorismo (caso em que caem sob a alçada da lei criminal comum). Mais uma vez, deverão ser as forças policiais a tratarem da sua própria definição.
“Nacionalista”? Há uma enorme variedade de grupos “nacionalistas”, dentros dos quais convivem, muitas vezes, visões moderadas e “radicais” na sua procura pelo estabelecimento de direitos para a sua nação. Por outro lado, há muitas lutas de libertação que podem ser consideradas “nacionalistas”.
“Anti-globalização, etc.” parece ser uma rede de pesca muito fina e orienta-se para qualquer grupo ou indivíduo que se oponha ao staus quo.
Ora, quem irá utilizar este “instrumento” que coloca um enorme espectro de gente e colectivos sob vigilância? Pois muito bem, serão as forças policiais da UE, forças de segurança e serviços secretos e outras “agências e instituições da UE (menciona-se o SITCEN – a CIA da UE – e a EUROPOL - o seu FBI).
E como irá esta gente compilar e utilizar a informação recolhida? O objectivo é partilhar informação e aumentar a quantidade “obtida por outro não especificado meio ou instrumento”. Para além de fornecer análises (chamadas “issues”), a informação que se recolher irá resultar em avaliações que serão “automaticamente transformadas em tomadas de decisão táctica operacional (tactical operation decision making), tomando as medidas e os passos considerados apropriados”.
As informações recolhidas terão como base a resposta a 70 questões, que cobrem ideologia, canais de disseminação, factores que influenciem o comportamento e o impacto das mensagens radicais. De acordo com a “abordagem semi-estruturada de compilação de dados”, cada corpo policial pode acrescentar as suas próprias categorias ou definições.
As 70 questões serão, presumivelmente, baseadas em recolha secreta de dados pessoais (a partir de fontes estatais e comerciais) e vigilãncia (por exemplo, analisandoo conteúdo dos emails), interpretadas e respondidas por forças policiais e de segurança de cada país da UE, que não de deverão inibir de, às certezas, acrescentarem suspeitas e suposições, para além de informações de fontes duvidosas. Para além de que a interpretação das informações recolhidas irá variar muito de país para país, de acordo com o entendimento de cada estado sobre quais os alvos a privilegiar.
Algumas dessas 70 questões são bizarras. Outras demonstram o nível de intrusão na vida privada dos que caiam na rede de suspeição do Estado. No capítulo daas ideologias, por exemplo, pergunta-se se há “uma relação anterior entre os agentes... colegas de escola, vizinhos, amigos, parentes, tempo conjunto na prisão, etc”, ou se a pessoa em causa fez “comentários orais sobre outros assuntos, principalmente de natureza política, utilizando argumentos baseados em mensagens radicais?”
Outros exemplos:
“Posição administrativa? Nacionalidade de origem, nacionalidade adquirida, residente legal, temporário, licença de trabalho, licença de estudo, etc”
“Situação Económica? Desempregado, deterioração da sua situação económica, perda de apoios financeiros, etc.”
“Traços psicológicos relevantes? Desordens psicológicas, personalidade carismática, personalidade fraca, etc.”
“Nível de apoios pessoais directos? Família, estado civil, filhos, amigos.”
“Relação com as várias instituições estatais? Serviços Sociais, estabelecimentos de ensino, serviços de segurança, outros”
“Ambiente social em que ocorre a radicalização violenta? Casa da família, amigos, internet, centro educacional, centro religiosoou de orações, prisão, local de trabalho, tempos livres, etc.”
Cada corpo policial de cada país poderá trabalhar de acordo com as suas próprias definições e assunções sobre os indivíduos ou grupos e partilhar livremente as suas informações por toda a UE. O plano é um sistema de perfis de risco automático e de larga escala para agir sobre os chamados “agentes” da “radicalização”.
Há milhões de pessoas na UE com ideias “radicais”, pelo menos aos olhos dos Estados, que podem utilizar terminologia também utilizada pelas chamadas “mensagens radicais” sem qualquer intenção de usar ou promover a violência. Para além disso,esta iniciativa vem no seguimento do Programa de Estocolmo para criar uma base de dados europeia de activistas.
O direito à discussão política parece ser a próxima vítima da “guerra ao terror”.
Fonte:http://pt.indymedia.org/conteudo/destacada/1771
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